Todos os dias, ao crepúsculo, suplico para não despertar, contudo a perversa existência me acorda com o fulgor do sol. São alvoradas longas e a cada dia me sinto mais impotente perante tudo isso. Ah... Aquela janela por donde penetra o sol.. Eu apelido de janela do tormento, onde tudo em meu aposento se torna sombra, e onde me tornei também nada mais que um espectro. Logo, me aproximo e contemplo a vida lá fora: infantes gracejando, indivíduos de todos os gêneros marchando pra lá e pra cá, cães imundos tomando conta de desafortunados pelas ruas, enfim, uma vastidão de doidices, tudo isso em meio à precisão da natureza, com o infindo azul do céu, a brisa das serranias e o horizonte de esperança. Creio que o gênio natural conspira para legar essa esperança no íntimo da humanidade. Cada sujeito com sua inquietação, uns esquivando-se da ruína, outros caçoando do triunfo, mas nenhum desses contemplando a existência atroz como ela é. Já senti o paladar do sucesso e a consternação da derrota, e posso proferir com autoridade que nenhuma delas é capaz de apaziguar o espírito humano. Continuamente teremos a sensação de inópia. Com isso, descobri uma forma magnífica de apreciar a vida e a impiedade da existência. E é meramente se tornando uma sombra consciente. Do lado nebuloso, onde não existe expectativa, tudo é tão radiante. A mágoa e o entusiasmo se enlaçam e criam um alento incomensurável. As tonalidades se alteram e logo deixo de desejar existir somente para permanecer admirando a vida lá fora. Ser uma sombra pode até ter um gosto ácido, mas jamais senti algo tão intenso e venturoso anteriormente como essa sensação de olhar da janela, rir dos homens e idolatrar a formosura do universo. Do lado de cá a vida é simplesmente uma obra-mestra que se sacoleja a cada instante. Por fim, fica a dúvida: e EU? Ahhh... Vou recuar para meu leito e adormecer, pois meus sonhos são mais sólidos que a minha autêntica existência. Se quiser pode me titular de Deus, pois ser Deus não é ter poderes, e sim olhar da minha janela o afresco que é a vida.
Alécio Marinho de Brito Junior - 2004
Alécio Marinho de Brito Junior - 2004
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