sábado, 21 de junho de 2008

O AMOR PERMANECE


1Cor 13,13: "Assim o amor... permanece"
Sim, deus seja louvado, o amor permanece! O que quer que o mundo te retire, ainda que seja o bem mais querido; o que quer que te ocorra na vida e o que quer que tenhas de sofrer por causa de teu esforço, por causa do bem que tu queres, se os homens se desviam de ti, indiferentes, ou se virassem contra ti como inimigos; mesmo se ninguém quisesse se declarar teu conhecido ou reconhecer sua dívida para contigo, ainda que teu melhor amigo te renegasse - se todavia, em algum esforço teu ou em alguma obra tua, ou em alguma palavra tua, tivesse o amor como confidente, consola-te, pois o amor permanece. O que sabes compartilhando com ele é recordado para teu consolo; oh, é mais feliz ser recordado pelo amor do que ter realizado a maior façanha de que um homem é capaz, mais feliz do que um homem a quem os espíritos se submetem! O que tu sabes com ele, é recordado para teu consolo; nem o presente, nem o futuro, nem os anjos, nem os demônios, e então, Deus seja louvado, tampouco o instante mais tempestuoso e mais difícil de tua vida, tampouco como o último instante de tua vida, conseguirá tomar de ti; pois o amor permanece. E quando o desânimo quiser primeiro te enfraquecer para que percas o desejo de querer corretamente, para então em seguida te tornar novamente forte, ai, como ele sabe fazê-lo, forte na obstinação do desalento; quando o desânimo quer mostrar-te o vazio de todas as coisas e transformar toda a vida numa monótona e insignificante repetição, de modo que tu decerto vês tudo isso, mas com um olhar tão indiferente; vês o campo e a floresta que outra vez reverdejam, vês a vida variegada que o ar e nas águas outra vez se agita, ouves os pássaros a entoar outra vez seu canto; vês sempre de novo os homens agitando-se em todo tipo de obra - e tu bem sabes que Deus existe, mas te parece como se ele se tivesse retraído para dentro de si mesmo, como se ele estivesse distante nos céus, infinitamente afastado de todas essas banalidades pelas quais nem vale a pena viver; quando o desânimo quiser despojar-te daquilo que anima toda a vida, de modo que saibas que Cristo existiu, certamente, mas de maneira tão fraca. Mas por outro lado te mostra com uma angustiante nitidez que mil e oitocentos anos se passaram desde então, como se Cristo estivesse também a uma infinita distância dessas vãs banalidades pelas quais nem vale a pena viver: oh, então reflete que o amor permanece! Pois se o amor permanece, é igualmente certo que ele estará no futuro, se tal é o consolo de que precisas; e que ele está no presente, se tal é o consolo de que precisa. Contra todos os terrores do futuro, opõe esse consolo: o amor permanece; contra toda angustia, todo cansaço que o presente suscita, opõe esse consolo: o amor permanece. Oh, se serve de consolo para o habitante do deserto que ele saiba com certeza que, por mais longe que viaje, havia fontes e haverá fontes: que fonte nos faria maior falta, e que tipo de morte lembraria mais o tormento da sede, se o amor não existisse e não fosse eterno.
Kierkegaard - As obras do amor. p338-339

Nenhum comentário: